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quarta-feira, 17 de outubro de 2007

A lavadeira

A LAVADEIRA

Condorcet Aranha

Quando a luz do horizonte, seca as roupas nos varais,
O Bem-te-vi atrevido toma conta de você,
Como podes, lavadeira, esconder seus tristes “ais”,
Do menino preso à saia, te pedindo pra comer?

Com tamanha paciência e tanta trouxa a espera,
Lava, lava, sem parar, só não lava sua sorte,
Pois a vida que te leva, mais parece uma megera,
Arrastando-a sem piedade, pelos anos, para a morte.

E o menino ao se soltar desta saia rota e suja,
Vai correr pelos quintais, pelas ruas indomáveis,
E o destino, certamente, não vai dar uma lambuja,
Mas fará com que se junte ao cordão dos miseráveis.

Quando a luz já for da lua e não mais a luz do sol,
Poucas roupas nos varais, que nem mais lhe trazem o pão,
O menino ao te beijar, transpirando o etanol,
Sentirás, dentro do peito, apertar o coração.

Teu olhar se perderá, no infinito, na incerteza,
Pois, você, também perdida, poderá se questionar,
Mas, entenda que o mundo não tem lá tanta beleza,
Porque o mar morre na praia e alguém morre no mar.

É por isso que a verdade se esconde na ilusão,
Pra você manter a alma, carregada de esperança,
E então a vida passa, te levando à distorção,
De, com o tempo, ficar velha, sem deixar de ser criança.

Só na hora da partida ante um marginalizado,
Um criminoso, talvez, no último beijo dado,
Entenderás que, essa vida, tem um significado,
Pois tudo vale o momento de um amor recompensado.

A âncora da vida

A ÂNCORA DA VIDA

Condorcet Aranha

Não fosse a expectativa do esperar e com muita fé, chegaríamos a perder a confiança em conseguir, ao menos em parte, aquilo que sonhamos ou apenas desejamos. Certamente, a média entre conquistas e perdas da função de uma variável como é a própria vida, totalmente aleatória, acaba por fazer uma distribuição sobre essa mesma variável.
Assim, funciona a âncora da vida, a eterna incógnita que desafia a capacidade do homem, espremida entre duas constantes estabelecidas por cada ser humano, isto é, a fé e a caridade.
A mulher, desde a sua primeira gravidez, começa a esperar, não só pelo nascimento do filho, como também para que tudo corra bem, a criança seja saudável e ainda tenha muitos anos de vida, juntamente, com o sucesso e a felicidade.
Com uma análise mais crítica, os mais intelectuais tomam por base o número médio esperado de anos de vida para um indivíduo, calculado a partir de padrões de mortalidade da respectiva população do ambiente em que vivem, para planejarem suas atividades e expectativas.
Por outro lado, uma parcela da civilização, talvez menos esclarecida, acaba por fantasiar suas idéias criando alguns mitos sobre a incerteza de que é acometido, se conseguirá esperar e quiçá alcançar seus sonhos e expectativas. Chegam até ao cúmulo absurdo de enfeitiçar o coitado do inseto ortóptero, tetigonióideo, com antenas longas, geralmente verde, devorador de culturas, dando-lhe a dura responsabilidade de obter o sucesso.
Dessa forma, apesar de não compartilhar inteiramente com nenhuma das colocações anteriores, devo aceitá-las como um linimento àqueles que nelas encontram sua razão de vida, lançando-as ao alto mar de sua existência.
Mas, qual o quê! Acreditar em variáveis e tentar conduzir a própria vida sobre o resultado médio de uma função também aleatória, jamais poderá resultar numa distribuição mais equânime da humanidade. Temos apenas que entender o que somos e aceitar a realidade. Fugir do imprevisível, deixar de criar expectativas sobre sonhos ou dados fictícios ou ainda esperá-los, é querer roubar da própria existência a sua essência e beleza, além de se omitir dos desafios que ela nos traz.
O “estar de esperança” da mulher que vê seu filho nascer e, dentro do conceito da “esperança matemática”, deseja-lhe uma “esperança de vida”, há de se entender que diante das três virtudes básicas da teologia, a segunda é apenas uma âncora e não um porto seguro. Portanto, se um certo dia, ainda jogar nas costas do indefeso inseto ortóptero, toda a responsabilidade de uma vida, inevitavelmente, como eu, exclamará:
- “Que esperança! “

Brasileirinhos

São filhos da terra e vivem mui mal,
Com mãos sofredoras, até retalhadas,
Grosseiras, sangrando, por fibras malvadas,
As fibras das folhas, do duro sisal.

Os corpos cobertos por parcos retalhos,
A pele tão rude em corpos, crianças,
Nos braços feridas cobertas com trapos,
Na mente, será? Carregam esperanças?

O sonho da escola? Promessas, mentiras,
Que embalam seus sonhos, em noite fantasma,
No agito da alma, entre crenças conflitas,
Rompe-se às vezes, na crise de asma.

Direitos humanos que enlevam assassinos,
Se prendem na mídia, se vangloriando,
Não vêem os apelos de tantos meninos,
Escondem com farsas, verdade ocultando.

Meninos que acordam aos raios de sol,
Que mal se alimentam e vão trabalhar,
Com carga nas costas, tal qual caracol,
Meninos que dormem à luz do luar.

Na ida e na volta, somente ilusões,
Durante a jornada? Bastante pressão.
Calados ruminam em seus corações,
A ira e o repúdio à voz do patrão.

O físico e a mente são fracos, sofridos,
O corpo cansado lhes vence a razão,
Não têm respaldo pra serem unidos
E assim são curvados, às leis do patrão.

Seus pais semivivos da situação,
Semicorpos vencidos a serem punidos,
Desprezíveis atores da escravidão,
Tiveram a alma e o corpo ungidos.

No abandono das leis e de seus governantes,
Alheios ao mundo, ao amor e aos carinhos,
Seguem os meninos em trilhas errantes,
Meu Deus! Por favor, salve os brasileirinhos.